sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DOENÇAS NUTRICIONAIS - PARTE IV


6- OBESIDADE



A obesidade acomete parcela importante dos animais silvestres mantidos em cativeiro. Em jardins zoológicos é possível verificar-se, com freqüência, obesidade em felinos, jacarés, quelônios, primatas, aves e outros. No entanto, levantamentos epidemiológicos de sua prevalência no Brasil não puderam ser localizados. Ela não deve ser encarada apenas quanto a seus aspectos estéticos, como se vê com freqüência. A obesidade deve ser encarada como uma doença. A alteração da composição corporal verificada com a expansão da massa gorda vem acompanhada de alterações endócrinas e funcionais.



Os primatas, principalmente os do velho mundo, são freqüentemente afetados por obesidade, sendo esta relatada principalmente em Macaca sp., Eulemur sp., Hapalemur sp., Mandrillus sp. e Cercopithecus sp.13 Espécies como Macaca mulata, M. nemestrina e M. nigra têm sido, inclusive, utilizadas como modelo experimental de doença vascular ateroesclerótica, dislipidemias, diabetes mellitus e obesidade para humanos.13 Felinos são também particularmente susceptíveis. Em felinos existe acúmulo de gordura subcutânea na região inguinal, o que se manifesta como uma dobra de pele característica. Seu encontro já indica um animal com sobrepeso importante. O tipo de alimento que consomem, essencialmente proteína e gordura, associado à grande restrição física a que são submetidos, pode explicar esta propensão ao acúmulo de gordura.37



São bem conhecidos os efeitos deletérios do excesso de peso sobre a saúde de mamíferos domésticos. Dentre eles destacam-se os distúrbios do aparelho locomotor (discopatias, ruptura de ligamento cruzado e osteoartrites), hipertensão arterial, prejuízos à resposta imunológica, aumento da incidência de Diabetes mellitus, dermatopatias (piodermites e seborréia), neoplasias e intolerância ao calor. Aumentam também os riscos inerentes à anestesia, assim como a propensão a reações medicamentosas. Dentre as alterações reprodutivas constatadas incluem-se maior freqüência de distocias e infertilidade. Alterações respiratórias são muito freqüentes, a infiltração de gordura em pleura e mediastino diminui a amplitude do fole alveolar. Tornam-se mais ineficientes às trocas respiratórias e os animais apresentam-se dispnéicos e intolerantes ao exercício. Nesta fase desenvolvem taquicardia e muitos são erroneamente diagnosticados como cardiopatas. A reversão da obesidade reverte estes sintomas, com visível melhora da condição respiratória e qualidade de vida. A insulinemia e a resposta insulínica estão diretamente relacionadas ao grau de obesidade: carnívoros domésticos obesos apresentam resistência insulínica e intolerância à glicose que se reverte com a perda de peso.



Demonstrou-se recentemente, em um estudo de saúde a longo prazo com cães da raça Labrador Retriever, que aqueles animais que mantiveram-se magros durante toda a vida, mediante restrição de 25% das calorias ingeridas, viveram aproximadamente 15% mais tempo, com uma expectativa média de vida de 15 anos em comparação a 13 anos do grupo controle, cujos animais eram obesos. Além de viverem mais, os cães sob restrição calórica apresentaram melhor resposta glicêmica e insulínica, retardo no declínio imunológico conseqüente ao envelhecimento e uma redução de 72% na incidência de osteoartrite.



A obesidade é, também, um distúrbio nutricional comum em aves. Seu diagnóstico é, no entanto, dificultado pela cobertura de penas. Uma ave pode ser considerada obesa quando apresenta peso superior a 15% do peso ideal da espécie, mas este critério não é muito seguro e uma avaliação física individual sempre é importante. Há espécies predispostas à obesidade como o periquito australiano (Melopsittacus undulatus), calopsita (Nymphicus hollandicus), canários (Sicalis sp científico), cacatuas (Cacatua sp), falconiformes e papagaios do gênero Amazona.31, 38 Dietas excessivamente energéticas (com excesso de carboidratos e gordura e falta de fibra), idade, status reprodutivo, temperatura ambiental, estado fisiológico do indivíduo e a manutenção destas aves em gaiolas ou recintos pequenos, com limitada oportunidade de exercício, são os fatores causais primários mais comuns de obesidade.30, 38 A ave obesa é mais predisposta a problemas clínicos, tem a saúde geral pobre e apresenta menor expectativa de vida. Normalmente aves obesas são imunossuprimidas e mais sensíveis ao estresse do que aves em bom estado corporal.38 Outros problemas médicos associados à obesidade são lipidose hepática, aumento da pressão sanguínea, ateroesclerose (comum, por exemplo, na ema – Rhea americana), pancreatite necrosante, diabetes mellitus, alterações dos hormônios da tireóide, lipomas, problemas reprodutivos e musculoesqueléticos, entre outros.38



Répteis possuem, na natureza, alimentação intermitente. Como apresentam baixa necessidade calórica, por serem poiquilotérmicos, se alimentados regularmente em cativeiro tendem a desenvolver obesidade. Esta condição está associada à uma menor tolerância a temperaturas elevadas, aumento da incidência de infecções, infertilidade em machos e à lipidose hepática. A obesidade tem sido relatada em várias espécies, como iguana (Iguana iguana) 39 e teiús (Tupinambis sp.). 40



O diagnóstico de obesidade passa pela determinação do peso do animal e sua comparação com o peso médio da espécie. No entanto, infelizmente, esta medida está longe de ser suficiente. Variações individuais de tamanho fazem com que seja necessária a avaliação do escore de condição corporal. O escore de condição corporal é uma medida subjetiva da adiposidade do animal, baseando-se em sua inspeção e palpação. Escores de condição corporal podem ser encontrados para várias espécies domésticas, como suínos (Sus scrofa), eqüinos (Equus caballus), bovinos (Bos taurus, Bos indicus), caprinos (Capra hircus), ovinos (Ovis aries), cães (Canis familiaris) e gatos (Felis catus), em livros sobre nutrição e criação destes animais. Estes podem ser utilizados como ponto de partida e adaptados para animais silvestres.



A avaliação da condição corporal deve fazer parte de todo exame físico conduzido pelo médico veterinário, devendo ser registrada na ficha clínica do animal e realizada pelo menos uma vez ao ano. Geralmente, em uma escala de cinco pontos, um desvio para mais de 15% no peso corporal significa 1 ponto da escala de escore de condição corporal e indica um animal com sobrepeso. Um desvio de 20% ou 25% para mais significa 2 pontos e corresponde a um animal já obeso. Quando o sobrepeso é da ordem de 50%, normalmente alterações de saúde já estão presentes.



Para aves e répteis não existem escores determinados. A verificação da gordura subcutânea e da conformação de jacarés, e de gordura subcutânea que se projeta para fora quando quelônios tentam se recolher dentro da carapaça, podem ser um guia para estes répteis. Para aves, sua contenção e observação de distensão abdominal, presença de gordura abdominal visualizada através da pele, acúmulo generalizado de gordura subcutânea e a palpação do externo são guias importantes. Em função dos efeitos deletérios da obesidade, esta deve sempre ser tratada, com ganhos em saúde, bem-estar e qualidade de vida para os animais acometidos. O objetivo básico em seu tratamento é criar uma situação de balanço energético negativo, que pode ser conseguido por meio da diminuição da ingestão calórica e/ou aumento do gasto energético.



Com isto, ocorre mobilização do tecido adiposo do animal e, conseqüentemente, perda de peso. O exercício físico é a única maneira prática de se aumentar o dispêndio energético dos indivíduos. Este ainda tem como benefícios melhorar a atitude mental dos animais e promover uma elevação na taxa metabólica basal, por meio do aumento da massa muscular, com efeitos benéficos, a longo prazo, na manutenção do peso.



Em condições práticas, no entanto, um incremento significativo de atividade física é difícil de ser conseguido para animais silvestres, de modo que as alterações dietéticas são as medidas mais alcançáveis e efetivas. As principais características preconizadas para os alimentos destinados à perda de peso são: baixa densidade energética; reduzida concentração de gordura; concentrações mais elevadas de proteínas, microelementos e vitaminas; uso de fibras; emprego de fontes de amido de assimilação lenta. Busca-se, com isto, redução na ingestão calórica com a manutenção do consumo dos nutrientes não calóricos, de modo a permitir um funcionamento adequado do organismo e preservar-se massa corporal magra.



A utilização de concentrações aumentadas de fibra em dietas para controle de peso tem como principais funções: controle da glicemia e lipidemia; redução na digestibilidade dos lipídeos e carboidratos; estimulação dos mecanismos de saciedade; redução na densidade calórica do alimento; manutenção das funções normais do trato gastrintestinal, incluindo qualidade das fezes, tempo de trânsito e absorção da água e eletrólitos no intestino grosso.



Para animais que recebem alimento industrializado, as modificações dietéticas acima preconizadas são fáceis de se implementar. No entanto, a maioria dos animais silvestres em cativeiro não são alimentados com ração ou esta é apenas parte de sua dieta. Alimentos fibrosos e pouco energéticos, como folhas e legumes, podem ter baixa palatabilidade e a hiporexia pode levar a outros problemas, como destacado no item sobre imunidade e nutrição.




Para espécies estritamente carnívoras, outros itens que não carnes e vísceras podem ser, também, impraticáveis. Para felinos, o fornecimento de alimentos em dias intercalados também não resolve a questão. Desta forma, além das modificações qualitativas da dieta é fundamental uma redefinição da quantidade a ser fornecida.



As principais etapas para o estabelecimento de um protocolo para a perda de peso são:


1- Antes de se iniciar o tratamento, quanto possível proceder a uma completa avaliação clínica e laboratorial do animal, com a finalidade de se descartar a possibilidade de outros distúrbios concomitantes, como ortopédicos, endócrinos ou cardiovasculares, que poderão influenciar o manejo da obesidade e a velocidade da perda de peso;



2- Pesar o animal e estimar o peso-meta utilizando como referência o escore de condição corporal. Inicialmente, pode-se estabelecer como peso-meta, ao menos para a primeira etapa do programa, uma perda de peso de 15% ou 20% em relação ao peso atual do animal. Animais que não podem ser pesados podem ter seu manejo baseado apenas na redução de um ponto em seu escore corporal;



3- Estimar a perda de peso média semanal desejada e o tempo necessário para alcançar a meta de peso. A perda de peso semanal pode variar de 0,5% a 2%, no máximo, dependendo da espécie, idade e das condições clínicas do animal. Para que seja atingido o peso meta da primeira etapa do tratamento (15% de redução), são necessárias de 8 a 30 semanas. Uma velocidade muito rápida de perda de peso aumenta os riscos de desenvolvimento de distúrbios metabólicos e aumenta as chances de um novo ganho de peso após o regime;



4- Definir a ingestão calórica para perda de peso corporal. Em mamíferos domésticos inicia-se o programa administrando alimento suficiente para atender apenas 60% das Necessidades Energéticas de Manutenção estimadas para o peso-meta do animal. Esta restrição calórica permite a perda média de 1% de peso por semana, o que é importante para que não haja um comprometimento de saúde. O gato doméstico obeso é particularmente sensível ao déficit calórico, podendo desenvolver durante o regime, ou mesmo como conseqüências de doenças que levam à anorexia, uma afecção de difícil manejo clínico denominada Lipidose Hepática (abordada mais adiante). É possível que felinos selvagens, principalmente os de menor porte, sejam também susceptíveis, não podendo permanecer em anorexia, hiporexia ou consumir menos do que o esperado durante o regime, devendo sempre ser monitorados atentamente.



Uma dificuldade que surge nesta etapa é a ausência de boas fórmulas para se estimar a demanda calórica de animais silvestres em cativeiro. Na Tabela 1 encontram-se alguns pontos de partida. As fórmulas envolvem sempre a multiplicação do peso corporal (PC), em quilogramas, por uma constante para se encontrar o peso metabólico. Este é, então, multiplicado por outra constante (K), que representa as quilocalorias de energia metabolizável necessárias por unidade de peso metabólico do animal por dia. 22





Tabela 1 – Fórmulas para se estimar a Necessidade Energética de Manutenção (NEM) de alguns grupos de animais. Grupo NEM (kcal/dia) Grupo NEM (kcal/dia) Aves Passeriformes a 200 - 250 (PC b) 0,75 Répteis c 32 (PC) 0,77 Aves não passeriformes 130 - 160 (PC) 0,75 Tartarugas 32 (PC) 0,86 Mamíferos placentários 140 (PC) 0,75 Cão doméstico 120 (PC) 0,75 Mamíferos marsupiais 100 (PC) 0,75 Gato doméstico 70 (PC)



a- A classificação em passeriformes e não passeriformes parece não retratar adequadamente a necessidade energética das aves. Por exemplo a NEM do periquito-australiano (Melopsittacus undulatus) foi estimada como 200 (PC)0,75. 41



b- PC = peso corporal, em quilogramas.



c- répteis e anfíbios são poiquilotérmicos. Eles aumentam ou diminuem seu metabolismo basal de acordo com a temperatura ambiental. Desta forma, suas necessidades energéticas são variáveis e mais difíceis de se prever. 34



Para primatas dados mais precisos podem ser encontrados no NRC 13. Existem grandes variações quanto às necessidades energéticas dos diferentes gêneros, em Pondidae esta é de 100 kcal(PC) 0,75, em sagüis esta eleva-se para 145 kcal (PC) 0,75.



Definida a fórmula para a estimativa da NEM, o calculo das quilocalorias a serem fornecidas para perda de peso pode ser feito multiplicando-se por 0,60 a NEM estimada para o peso-meta estipulado. Um exemplo para um mamífero placentário de 2 kg seria:



Kcal para perda peso = [140 x (peso atual – 15%)0,75 ] x 0,60
= [140 x (2 – 15%)0,75] x 0,60
= [140 x 1,70,75] x 0,60
= [140 x 1,49] x 0,60
= 125 kcal/dia



5- Definir o tipo de alimento a ser fornecido e estimar sua energia metabolizável (EM). Para animais domésticos existem inúmeras formulas desenvolvidas para o estimativa da EM dos alimentos. Para animais silvestres quase não existe produção científica a este respeito. Três sugestões vão abaixo, mas o médico veterinário pode buscar dados mais acurados na literatura científica.


Fórmula 1: desenvolvida para alimentos extrusados para cães Energia Metabolizável (kcal/100g alimento) = [(3,5 x % proteína bruta) + (8,5 x % extrato etéreo) + (3,5 x % extrativos não nitrogenados)]



Fórmula 2: desenvolvida para alimentos úmidos para gatos Energia Metabolizável (kcal/100g alimento) = [(3,9 x % proteína bruta) + (7,7 x % extrato etéreo) + (3,0 x % extrativos não nitrogenados)] – 5 23



Fórmula 3: fórmula de Atwater, desenvolvida para seres humanos Energia Metabolizável (kcal/100g alimento) = [(4 x % proteína bruta) + (9 x % extrato etéreo) + (4 x % carboidratos)]


Sendo: extrativos não nitrogenados = 100 – (% proteína bruta + % extrato etéreo + % matéria mineral + % umidade + % fibra bruta) .


Donoghue 34 sugere a adoção da fórmula 1 para répteis onívoros, adicionada do computo de 2kcal por grama de fibra, que seria fermentada no intestino e aproveitada pelo animal. Para répteis carnívoros, a autora sugere a fórmula 3. Para aves silvestres pode-se empregar a fórmula 1. Para primatas deve-se empregar a fórmula 3, tendo-se o cuidado de multiplicar por 4 os carboidratos realmente digestíveis (não os ENN).13 Para primatas em dietas com alta fibra, ou quando só se dispõem da estimativa dos ENN, uma tentativa é multiplicar esta fração por 3,5kcal/grama. Para carnívoros, uma alternativa seria o emprego da fórmula 3, considerando-se, no entanto, que a carne não apresenta carboidratos.




Continua em uma próxima postagem oportuna !

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