quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

DOENÇAS NUTRICIONAIS - PARTE V




7- SÍNDROME DO FÍGADO GORDUROSO

A síndrome do fígado gorduroso, conhecida também por degeneração hepática gordurosa, lipidose hepática e esteatose hepática 2 é comum em psitacídeos tendo múltiplas etiologias.42, 43 Morte súbita em Amazona sp e periquitos australianos idosos tem sido descrita, tendo como única alteração histopatológica a acúmulo de gordura nos hepatócitos.44 A história dietética sugere que deficiências nutricionais múltiplas associadas à ingestão excessiva de calorias e gordura por aves sedentárias e obesas sejam fatores predisponentes. As deficiências de colina, metionina, cistina e, talvez, carnitina, estão associadas à menor capacidade metabólica dos hepatócitos, estando também possivelmente envolvidas na afecção. Os sinais clínicos estão relacionados à falência hepática.42, 43 Esta pode ser fatal se não for diagnosticada a tempo e tratada agressivamente.



No entanto, muitas doenças envolvem o fígado e estas apresentam sinais comuns. A maior parte delas tem origem infecciosa, como bactérias de origem intestinal e vírus. Intoxicações por ingestão de micotoxinas (aflatoxicose) e metais pesados e hepatopatias secundárias a endocrinopatias também podem ocorrer. Dentre as causas metabólicas, o acúmulo de gordura nos hepatócitos é o mais comum. Desta forma, um protocolo diagnóstico completo é recomendável, incluindo exames bioquímicos, hematológico, radiográfico e, dependendo do caso, biópsia.



Nas aves em balanço calórico positivo, ou seja, consumindo muito alimento rico em energia, os triglicerídeos da dieta e os removidos do tecido adiposo por lipólise, acabam sendo retidos no citoplasma dos hepatócitos, que não conseguem exportá-los como lipoproteínas. Este processo culmina com a degeneração gordurosa e morte das células hepáticas.43 A elevação da concentração plasmática de colesterol, conseqüente à alteração do metabolismo lipídico, é um dos achados laboratoriais da doença nas aves. Deve-se atentar para o fato de que não são apenas dietas ricas em gordura que podem desenvolver esteatose. Alimentos com teor energético muito elevado à base de carboidratos também desencadeiam a síndrome do fígado gorduroso em galinhas.26 A questão mais importante parece ser o consumo exagerado de calorias, com a manutenção prolongada de um balanço calórico positivo e obesidade.



O tratamento da esteatose hepática deve incluir fluidoterapia e suporte nutricional intensivo. Pacientes hepatopatas são anoréticos, via de regra. A ingestão de calorias e aminoácidos é fundamental para que os hepatócitos recuperem sua atividade metabólica, consigam sintetizar a apoproteína e a partir desta, formar a lipoproteína de densidade muito baixa, principal forma de exportarem ácidos graxos para fora do fígado. Com a remoção dos ácidos graxos dos hepatócitos estes recuperam sua função normal. Animais que se recuperam têm um retorno completo da função hepática.



Deve-se empregar alimentos com teor moderado de proteína e gordura, infundidos diretamente no papo das aves a cada três horas. Alimentos para bebês humanos à base de frutas, ou mesmo a mistura de frutas com um pouco de alimento para criação artificial de filhotes, podem ser utilizados. Se ocorrer estase de pró-ventrículo ou regurgitação, pode-se tentar a infusão de uma solução composta de 2 partes de solução fisiológica, 1 parte de 25 solução de aminoácidos à 10% e 1 parte de solução de glicose à 50%. Esta solução apresenta 0,5kcal por mL e pode ser utilizada até que o animal aceite a alimentação definitiva.



É importante ter-se em mente que o fornecimento de calorias e aminoácidos às aves é o fator principal no tratamento da esteatose, devendo também fazer parte do tratamento das demais hepatopatias. A quantidade a ser infundida por dia pode ser estimada de acordo com a necessidade energética da ave e a densidade energética do alimento, conforme descrito no item Obesidade. Outros aspectos relativos à dieta incluem a suplementação com soluções multivitamínicas, fornecimento de vitamina K (1mg/kg/ IM por 5 dias) e a administração de
biotina, colina e metionina.



A esteatose não acomete apenas as aves. Ruminantes, camelídeos, primatas, répteis e carnívoros também podem desenvolver a doença. O tratamento da lipidose hepática em lhama foi revisado por Van-Saun et al. 45, sendo sugerido pelos autores nutrição parenteral parcial rica em aminoácidos e nutrição enteral intensiva. Divers et al. 46, revisaram a condição clínica para répteis.



Livros textos de clínica de grandes animais apresentam a condição para ruminantes. A afecção integra o conjunto de alterações relativas ao metabolismo energético destes animais, que são essencialmente neoglicogênicos, podendo ser secundária à: deficiência de cobalto (e conseqüente deficiência de vitamina B12); balanço energético negativo no pós-parto imediato ou final de gestação, quando a demanda por glicose é mais alta; dieta inadequada. Nestas condições existe um déficit de oxaloacetado, o que diminui a capacidade de síntese hepática de glicose levando ao acúmulo de corpos cetônicos na corrente sanguínea e de ácidos graxos nos hepatócitos.



Dentre os carnívoros, nos cães domésticos a lipidose hepática também está associada à má nutrição de fêmeas em gestação. Os felinos domésticos, por outro lado, apresentam com relativa incidência uma condição idiopática, com características etiológicas diferentes dos demais animais. Atribui-se à susceptibilidade da espécie a lipidose hepática ao metabolismo estritamente carnívoro do gato, de modo que, teoricamente, a condição pode também ocorrer em outros felinos, apesar de não termos encontrado relatos científicos a respeito.



A lipidose hepática felina foi recentemente revisada.47 Em linhas gerais ela se caracteriza por um massivo acúmulo de lípides em mais de 50% dos hepatócitos. Acomete gatos obesos que se tornaram inapetentes devido a stress, doenças ou que foram colocados em regime para perda de peso e entraram em balanço calórico negativo e lipólise. Todo felino obeso que entra em anorexia ou hiporexia, por qualquer razão, está sob risco e deve ser monitorado cuidadosamente. Acredita-se que os lípides se acumulem, pois a entrada de ácidos graxos via uma lipólise exacerbada (mediada pela liberação de cortisol e catecolaminas devido a doenças e estresse) seja maior do que a capacidade de oxidação, síntese de corpos cetônicos ou exportação via lipoproteínas pelos hepatócitos. A síntese de lipoproteínas esta limitada, provavelmente, como resultado da desnutrição. Ocorre grande depleção de massa muscular nestes animais e o déficit protéico parece estar envolvido na patogenia da doença. Outros nutrientes potencialmente envolvidos são a taurina, carnitina, arginina, treonina, citrulina, colina e vitaminas do complexo B.



Com suporte nutricional intensivo, a chance de cura é de 60%. Sem suporte nutricional apenas 10% a 15% dos gatos se recuperam. O suporte envolve a colocação de tubos para nutrição enteral, pois via de regra os animais permanecem em anorexia por várias semanas. Deve-se empregar um alimento com elevado teor de gordura e alto teor protéico, a não ser que encefalopatia hepática esteja presente, condição, no entanto, infreqüente (ver sugestão no Quadro 2). A quantidade a ser infundida pode ser calculada de acordo com a necessidade
energética do animal (Tabela 1) e a densidade energética do alimento. Maiores detalhes da terapia podem ser encontrados no trabalho de Center 47.



8- GOTA



Animais uricotélicos, como aves e parte dos répteis, têm no ácido úrico o principal produto final de excreção do nitrogênio produzido no metabolismo. O ácido úrico é produzido no fígado e rins e excretado via secreção tubular e filtração glomerular. O nitrogênio incorporado ao ácido úrico pode ter três origens: proteína dietética ingerida em excesso; proteína alimentar de baixo valor biológico, ou seja, com desequilíbrio de aminoácidos o que não permite síntese protéica; baixo consumo de alimentos, quando o catabolismo protéico promove liberação endógena de nitrogênio.1



A gota úrica pode ocorrer a partir de uma disfunção renal, que pode levar à gota visceral ou articular ou ainda a urolitíase. Nas três situações o quadro é causado pelo acúmulo de substrato que não é adequadamente excretado pelo rim e se acumula na corrente sanguínea, acabando por se precipitar em urato monossódico em locais como o interior de articulações, sobre tendões, sobre a serosa de vísceras ou nos próprios rins e ureteres. Esta é uma condição observada em animais silvestres em cativeiro, cuja etiologia ainda não é totalmente compreendida.28 A gota visceral parece ser uma entidade distinta da gota articular, sendo muito difícil encontrar-se as duas situações em uma mesma ave.



Por muito tempo somente o excesso de proteína dietética foi incriminado como responsável por causar gota. Estudos demonstraram, no entanto, que o oferecimento de dietas com desbalanços de aminoácidos leva a uma maior elevação da concentração de acido úrico plasmático do que o excesso de proteína per si. Experimentos com psitacídeos demonstraram, inclusive, que dietas com mais de 50% de proteína adequadamente balanceada em suas concentrações de aminoácidos não elevaram o ácido úrico e nem causaram gota 48 e que até 70% de proteína de adequado valor biológico, fornecida durante 11 meses, não causaram problemas em calopsita.49



Além dos desequilíbrios em aminoácidos, outros fatores predisponentes incluem inadequado balanço hidro-eletrolítico, desidratação, predisposição genética, ingestão de micotoxinas, dieta com excesso de cálcio, deficiência de vitamina A e outros fatores que levem à insuficiência renal. 26, 50 A deficiência de vitamina A leva à metaplasia escamosa do epitélio tubular, fazendo com que este perca sua função, e à obstrução de ureteres, impedindo a eliminação de urato causando gota. A hipovitaminose A está associada ao desenvolvimento de gota em aves alimentadas com sementes, que são pobres em carotenóides. O excesso de cálcio pode acometer aves silvestres alimentadas com ração comercial para galinhas poedeiras, produtos com 3,5 a 3,8% de cálcio! Este leva à formação de urólitos de urato de cálcio e sódio, com obstrução do fluxo de urina.26



A gota tem sido freqüentemente apontada como causa de morte em aves.51 Apesar disso ser verdade, deve-se, no entanto, considerar que esta pode, em alguns casos, ser secundária à associação entre anorexia e proteólise com desidratação, verificados freqüentemente em animais anoréticos debilitados. Nesta condição constitui-se em um fator secundário à doença primária, mas que pode vir a agravar o quadro, justificando a importância da intervenção nutricional no animal doente, já abordada. Para o diagnóstico de gota o veterinário recorre, muitas vezes, a dosagem de ácido úrico plasmático. A uricemia é influenciada pelo consumo de alimentos, podendo aumentar marcadamente no período pósprandial e mesmo após jejum prolongado, devendo se considerar estes fatores na interpretação dos dados.



Para répteis admite-se que as mesmas situações predisponentes para as aves possam levar ao acometimento por gota, apesar de existirem menos estudos. Há, também, vários relatos de gota quando estes passam por privação hídrica e tornam-se desidratados, o que pode levar à insuficiência renal.



O tratamento inclui a correção da dieta com adequação da quantidade de proteína e o correto balanceamento de aminoácidos, correção da hidratação do animal, se necessário e o uso temporário de corticóides para diminuir o processo inflamatório e a dor nos casos de gota articular. Algumas drogas como o Allopurinol (Zyloprim, 10 a 15 mg/kg PC, 1 vez ao dia pro resto da vida do animal) podem ser utilizadas na tentativa de se diminuir a quantidade de ácido úrico formado no fígado e rins, através de inibição do catabolismo de purinas. Entretanto, seu efeito resume-se a evitar o aumento do acúmulo de uratos, mas não retira os acúmulos já existentes. Outras drogas como o Ácido acetilsalicílico (diluir 5 g em 30 mL de água e oferecer 0,5 mL/kg, TID) também são citadas, por apresentarem algum efeito uricosúrico que pode ser efetivo em casos de gota.



9- HEMOCROMATOSE



A hemocromatose é caracterizada pelo acúmulo de ferro em tecidos, especialmente no fígado, resultando em hemorragias focais que acompanham congestões vasculares graves, que se iniciam nas células do sistema mononuclear fagocitário. O processo resulta em lesão necrótica multifocal, com perda de função e doença. Ela deve ser diferenciada da hemossiderose, que é um acúmulo progressivo de hemossiderina devido ao aumento da absorção de ferro, ao impedimento da utilização do ferro ou à anemias hemolíticas, sem dano tecidual extenso.52 Na hemossiderose, quando ocorre morte dos hepátócitos esta é do tipo “single cell necrosis”, sem desdobramento tecidual extenso ou significativo.



A doença é mais freqüentemente descrita em aves. Isto pode se dever ao fato do metabolismo do ferro ser diferente nas aves, apresentando estas uma maior absorção deste microelemento. Dente as aves existe um maior acometimento de tucanos e araçaris (Ramphastidae), aves-do-paraíso (Sturnidae), mainás e outros passeriformes, quetzals (Trogoniformes), lóris (Psitaciformes), grous e calaus. 53 De modo geral considera-se que aves frutívoras, insetívoras e onívoras são mais propensas ao acúmulo patológico de ferro do que as aves carnívoras, piscívoras e granívoras. Em mamíferos há relatos em lemur 54 e alguns mamíferos aquáticos.55



A etiologia da hemocromatose em aves ainda não está completamente elucidada. Especula-se que a falta de controle na absorção intestinal de ferro, o excesso deste microelemento na dieta e predisposição genética sejam os mais importantes. Outras causas prováveis citadas incluem stress, parasitismo intestinal, doenças e o consumo de dietas com deficiência ou desbalanços de aminoácidos essenciais, vitaminas e minerais.28, Também o uso concomitante de substâncias que aumentem a disponibilidade de ferro das dietas, como o ácido ascórbico (vitamina C) e outros ácidos orgânicos, devem ser considerados.



A doença não produz sinais clínicos específicos, podem ser observados dispnéia, ascite, hepatomegalia e fraqueza. Geralmente ela cursa como uma debilidade progressiva que leva o animal ao óbito. O diagnóstico definitivo é feito por biópsia de fígado, corada pelo método de azul da Prússia ou Perls, embora outros exames possam ser sugestivos (RX, exames bioquímicos como ferro sérico, ferritina sérica, capacidade total de ligação do ferro e índice de saturação da trasferrina, AST, proteína plasmática total). A avaliação da dieta, especificamente seus teores de ferro, também é importante. O prognóstico da doença é mau.



O tratamento paleativo pode prolongar a vida dos animais acometidos. Administração de dietas com baixos teores de vitamina C e ferro (menos de 50 ppm de ferro) devem ser instituídas.56 Para isso podem ser utilizadas rações próprias para as espécies predispostas ou o fornecimento de alimentos com baixas concentrações de ferro (e.g. iogurte, clara de ovo cozida, batata fervida, milho, trigo, maçã, banana, pêra, abacaxi, figos, mamão e melões). Plantas que possuam tanino, fibras e fitatos, que são quelantes naturais de ferro, podem ser adicionadas à dieta ou adicionadas como chá na água de beber dos animais com vistas à diminuição da absorção intestinal do microelemento. Flebotomias (retiradas de sangue) podem ser feitas para se tentar abaixar o estoque orgânico do de ferro, estas devem ser acompanhadas pelo hematócrito dos animais. Essas retiradas de sangue não devem superar 1% do peso corporal da ave por semana.57



Drogas como desferroxamina na dose de 100mg/kg intra-muscular no músculo peitoral uma vez ao dia por 4 meses e deferiprone na dose de 50mg/kg via oral, duas vezes ao dia por 30 dias têm sido empregadas como quelantes de ferro, mas sua eficácia ainda necessita de estudos.58 Profilaticamente, animais saudáveis das espécies susceptíveis não devem consumir dietas com mais de 100 ppm de ferro sobre a matéria seca.



Continua em uma próxima oportunidade ....

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