sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DOENÇAS NUTRICIONAIS - PARTE I



DOENÇAS NUTRICIONAIS


Aulus Cavalieri Carciofi
Luciana Domingues de Oliveira




1- INTRODUÇÃO

São muito poucos os estudos sobre nutrição, e principalmente doenças nutricionais, de animais silvestres. Quando puderam ser localizadas, tais informações foram incluídas. Para compor-se este capítulo optou-se, no entanto, por fornecer uma base da fisiologia da nutrição e da patogenia dos distúrbios nutricionais, melhor conhecidos e estudados em animais domésticos.

Foi nosso objetivo permitir que o clínico, a partir de uma base mais sólida e não de um apanhado de relatos e experiências de cardápios e suplementos, possa melhor compreender e analisar cada animal e situação que se lhe apresente dentro de uma visão comparativa.

Antes de se discutir deficiências nutricionais, é importante pensar por que elas ocorrem. O desconhecimento das necessidades nutricionais dos animais silvestres, de seu comportamento alimentar e seletividade dos alimentos em cativeiro, o emprego isolado de informações de hábitos alimentares em vida livre no estabelecimento das dietas e a falta de informações a respeito da composição química e digestibilidade dos alimentos oferecidos são os principais fatores envolvidos em sua ocorrência.

Alimentar animais silvestres em cativeiro é um desafio. Dentre mamíferos, aves, répteis e anfíbios estima-se que existam no mundo ao redor de 42.300 espécies, das quais aproximadamente 7% estão alojadas em criatórios e zoológicos.1 Isto dimensiona a enorme variedade de animais, hábitos alimentares, necessidades nutricionais, dietéticas e comportamentais que o profissional deve buscar conhecer.

Variam não só as necessidades nutricionais, mas também as manifestações clínicas associadas às deficiências entre as diferentes espécies. Estudos demonstraram, por exemplo, que psitacídeos apresentam sintomas cutâneos diferentes da galinha doméstica em resposta à deficiência de aminoácidos e vitaminas.2 Mesmo assim, buscar informações nutricionais em livros direcionados a animais domésticos ainda é fundamental devido à dificuldade que se tem em obter informações sobre as espécies selvagens. Compreender as funções bioquímicas e o metabolismo dos nutrientes e conhecer as necessidades nutricionais e a fisiologia digestiva da espécie doméstica taxonomicamente mais próxima é o primeiro passo para nutrir e diagnosticar deficiências nutricionais em animais silvestres.

O estabelecimento dos cardápios e dietas em cativeiro, em boa parte das vezes, apóia-se apenas em estudos de hábitos alimentares naturais. Estas publicações, no entanto, informam apenas o item alimentar que é ingerido, ou seja, os alimentos, raramente informam quanto, que parte dele, importância daquele alimento dentre todos os consumidos, composição em nutrientes como aminoácidos, minerais e vitaminas ingeridos na natureza e o papel fisiológico dos diferentes alimentos consumidos.3 Este tem sido um dos fatores responsáveis pela ocorrência de doenças nutricionais em cativeiro. Existe a necessidade absoluta de se conhecer e interpretar a grande gama de interações nutricionais, dentro de perspectivas ecológicas, que ocorre entre o meio-interno dos animais e o meio ambiente onde vivem.

Somente a aquisição de informações sobre ingestão de nutrientes na natureza forneceria os dados necessários ao estabelecimento seguro de dietas em cativeiro.

Um exemplo do cuidado que se deve ter ao se extrapolar dados de alimentação natural para cativeiro pode ser conseguido com a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus). No pantanal esta só se alimenta do endosperma de dois cocos, o acuri (Acrocomia totai) e a bocaiúva (Sheelea phalerata).4 Poderia-se pensar que o fornecimento de cocos, ou mesmo de acuri e bocaiúva fossem boas alternativas nutricionais para cativeiro. Estima-se que na natureza, no entanto, o gasto energético da arara-azul seja pelos menos 2,14 vezes maior que em cativeiro5 de forma que em seu ambiente natural ela ingere pelo menos o dobro de alimentos para alcançar seu balanço energético. Como o acuri e a bocaiúva apresentam baixos teores de proteína, minerais e vitaminas e elevado teor energético, fornecer em cativeiro a alimentação natural para uma arara-azul levaria a uma baixa ingestão de nutrientes essenciais, devido a sua reduzida necessidade energética e conseqüente baixa ingestão de matéria seca.

Este exemplo demonstra que reproduzir a alimentação natural nem sempre é correto em cativeiro.5 Em cativeiro, via de regra, a proporção nutrientes:energia deve ser maior para se evitar deficiências nutricionais.

Uma terceira situação que propicia a ocorrência de doenças nutricionais são as
dificuldades intrínsecas ao sistema de manejo nutricional usualmente empregado. Animais silvestres são normalmente alimentados em sistema de “cafeteria ad libitum”. São fornecidos alimentos de algumas classes, como frutas, verduras, carnes e outros, em proporções prédeterminadas.

Estas proporções, infelizmente, nem sempre compõem uma dieta nutricionalmente equilibrada em função do desconhecimento da composição química e digestibilidade de cada um dos alimentos e do não estabelecimento preciso do perfil nutricional desejado para a dieta da espécie em questão.

Deve-se considerar o fato de que o animal não apresenta necessidade de alimentos, como frutas, carnes e sementes, mas sim de nutrientes, como aminoácidos, vitaminas e minerais. A classificação genérica que se faz quanto aos hábitos alimentares naturais, como carnívoros, granívoros, herbívoros, insetívoros, etc., não define as necessidades nutricionais da espécie, apenas indica os alimentos preferencialmente consumidos na natureza e, em decorrência disso, os de boa digestibilidade e palatabilidade em cativeiro. Uma ave granívora terá boa aceitação e digestão de grãos, mas estes, de longe, não suprem a totalidade de suas necessidades nutricionais.

Mesmo que a dieta em sistema de cafeteria seja adequadamente formulada, é difícil se criar mecanismos seguros que garantam o consumo equilibrado e nas proporções preestabelecidas dos alimentos, situação que se complica ainda mais quando os animais são alojados coletivamente. Os animais apresentam preferências alimentares definidas e individuais,6 dentro de uma mesma espécie os indivíduos selecionam os alimentos dentro de padrões distintos e próprios.7-9 O consumo dos alimentos mais palatáveis em detrimento dos de pior aceitação acaba, então, por desbalancear a dieta propiciando o surgimento de doenças nutricionais. A diferente seleção de alimentos resulta em diferentes perfis de nutrientes ingeridos, o que modifica a composição nutricional idealizada e leva a doenças nutricionais.6, 8, 9

Cabe ao nutricionista oferecer o alimento de forma a garantir seu consumo equilibrado. Para se assegurar isto é fundamental monitorar a ingestão dos animais e estimar a composição nutricional da dieta efetivamente ingerida.10 Alternativas devem ser criadas para se minimizar o impacto da seletividade, e o emprego de ração industrializada apresenta-se, hoje, como a alternativa mais eficaz e econômica. Uma ração nada mais é do que a combinação de vários alimentos, como fontes de energia (grãos e óleos), de aminoácidos (ingredientes protéicos animais e vegetais), de fibra, de minerais, etc., que são processados de forma a aumentar seu valor nutritivo e impedir a seletividade dos mesmos pelo animal.

Moagem, peletização e extrusão são processamentos que impedem o desbalanceamento por parte do animal e melhoram o valor nutritivo por aumentar a digestibilidade e inativar certos compostos antinutricionais presentes nas matérias primas.11 Uma melhor digestibilidade assegura um melhor aproveitamento do alimento, diminui a necessidade de ingestão de matéria seca, reduz a produção de fezes facilitando a higienização das instalações e promove uma melhor saúde do trato digestório.

Considera-se hoje, também, que para animais silvestres o processo de alimentação não serve somente à nutrição, este também propicia interações sociais e entretenimento, o que deve ser considerado no estabelecimento do regime alimentar e no enriquecimento ambiental.


2- AS DOENÇAS DE ORIGEM NUTRICIONAL


Nutrientes participam do metabolismo intermediário como substrato e cofatores de forma a manter as principais estratégias metabólicas da célula: a oxidação de moléculas do alimento (carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos) para a síntese de compostos energéticos; formação de poder redutor; síntese de biomoléculas. A falta de nutrientes leva as células a alterações metabólicas e estruturais. O acúmulo de danos celulares acaba por comprometer os tecidos e por fim a função dos órgãos, levando aos quadros clínicos de afecção nutricional.

Como com qualquer outra afecção, o diagnóstico das doenças nutricionais depende de uma adequada anamnese, exame físico e, dependendo de cada caso, de exames laboratoriais específicos. A anamnese, como não poderia deixar de ser, deve incluir uma adequada e ampla investigação da dieta consumida, avaliando todos os aspectos anteriormente comentados, O estudo cuidadoso da dieta, inclusive com apoio de um laboratório de análise de alimentos é, em situações práticas, uma maneira bastante efetiva de se chegar ao diagnóstico presuntivo.

Como poderá ser verificado a seguir, as doenças nutricionais via de regra apresentam sintomas clínicos semelhantes e em poucas situações práticas o exame clínico isoladamente permite a identificação de qual ou quais nutrientes estão em falta ou excesso. A determinação do perfil nutricional da dieta consumida pelo animal e sua comparação com valores de referências para espécies domésticas conhecidas podem facilitar, em muito, a definição de suspeitas clínicas e orientar a solicitação de exames laboratoriais auxiliares.

Para isto é importante munir-se de balanças para pesar o que é ingerido, de tabelas de composição nutricional dos alimentos, de tabelas de exigências nutricionais de espécies domésticas e se apoiar em laboratórios comerciais que prestam serviço na área de análise da composição nutricional de alimentos. A composição de alimentos de uso comercial para animais de produção pode, por exemplo, ser encontrada em Rostagno12, tabelas bastante completas de composição de alimentos empregados na alimentação humana podem ser encontradas em http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/Data/index.html, as necessidades nutricionais de animais domésticos e de laboratório estão convenientemente reunidas pelo National Research Council do United States National Academy of Sciences, listadas no quadro


Quadro 1: Lista de algumas publicações do National Research Council sobre necessidades nutricionais de animais domésticos e de laboratório.

1977 Nutrient Requirements of Rabbits.
1981 Nutrient Requirements of Goats: Angora dairy and meat goats in temperate and tropical Countries.
1982 Nutrient Requirements of Mink and Foxes.
1985 Nutrient Requirements of Dogs.
1985 Nutrient Requirements of Sheep.
1986 Nutrient Requirements of Cats.
1989 Nutrient Requirements of Horses.
1994 Nutrient requirements of Poultry (chickens, turkeys, geese, ducks, pheasants and quail).
1995 Nutrient Requirements of Laboratory Animals.
1998 Nutrient Requirements of Swine.
2000 Nutrient Requirements of Beef Cattle.
2001 Nutrient Requirements of Dairy Cattle.
2003 Nutrient Requirements of Nonhuman Primates.13


As publicações do National Research Council, além das necessidades energéticas, apresentam tabelas completas de composição dos alimentos e uma descrição das funções e sintomas de deficiência dos diversos nutrientes para a espécie, constituindo-se em uma referência importante para o médico veterinário que se dedica à nutrição e doenças nutricionais. Outro guia prático importante para a avaliação e formulação de rações são as publicações da American Association of Feed Control Official (AFFCO) para cães e gatos e passeriformes e psitaciformes.14

A seguir serão abordadas as conseqüências clínicas de desequilíbrios nutricionais. Estes podem ser conseqüentes à falta, excesso ou antagonismos entre nutrientes. Estão inicialmente agrupadas por sistemas ou órgãos, de forma a tornar a abordagem mais prática para o medico veterinário, sendo na seqüência destacas informações a respeito de alguns nutrientes de maior importância prática.

Quando puderam ser localizadas, as informações foram retiradas de publicações sobre animais selvagens. Tais estudos, no entanto, são escassos e limitados, de forma que, quando necessário, a exposição da patogenia das deficiências teve apoio em dados produzidos em animais domésticos.



Continua em uma próxima postagem ...





Fonte: Dr. Rob de Wit - Zootecnista

(grupo virtual curió, torneios e genética)

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